O cavalo que queria um menino

Para Lucas, meu filho, que tanto pede por um cavalo “de verdade”

Leonardo Bruno Galdino
4 min readJul 19, 2019

ERA UMA VEZ um cavalo chamado Pitoco. Diferente da maioria de seus amigos cavalos, ele não sonhava com asas ou chifres, mas com um dono. Vivia pedindo um aos seus pais, mas estes sempre lhe respondiam que essa não é uma tarefa tão simples como parece.

— A ideia de um dono pode ser tão ou mais mirabolante do que chifres e asas, meu filho — disse-lhe seu pai.

— Mas por que, pai?

— Porque somos bichos muito grandes e caros, filho. Nem todo mundo tem espaço e dinheiro para nos criar.

— Mas o dono que eu quero é um menino, papai. Sempre que saímos para pastar nós topamos com ele. O senhor nunca reparou como ele fica feliz em me ver? Eu também fico muito feliz em vê-lo!

— Sim, Pitoco. Já reparei. Mas meninos não trabalham. Ele ainda não tem muita ideia de como as coisas funcionam no mundo real — assim como você.

Pitoco deu um relincho e saiu emburrado — embora não fosse um burro. De repente veio-lhe uma ideia.

— E se o menino me comprasse, papai?! — perguntou empolgado e esperançoso.

— Seria ótimo, filho — disse o pai, rindo de sua inocência. — Mas eu já falei: meninos não trabalham. A não ser…

A não ser…? — perguntou Pitoco, com brilho novo de esperança nos olhos, temperado agora com lágrimas.

O pai precisou se recompor. Não queria, afinal de contas, frustrar aquele fio de esperança que viu estampado no rosto do seu querido potrinho. No entanto, fazia-se necessário não esconder a dificuldade da empreitada.

— Bem, meu filho — começou o pai, limpando o pigarro da garganta. — Não existe conquista sem sacrifício.

— Mas minha pata não está quebrada, pai.

— Não, não, meu filho — disse o pai, rindo. — Não é desse sacrifício que estou falando. Nossa raça tem essa desvantagem, é verdade. Mas não é este o caso aqui.

— Qual é, então?

— Bem… o menino é que precisará se sacrificar para ter você. Não depende de nós.

— Já sei! Vou quebrar-lhe a perna com um coice!

O pai explodiu em risos. — Não faça isso, Pitoco, pelo amor de Deus! Repito: não é exatamente desse tipo de sacrifício que estou falando! Vamos com calma, seu mustangue afobado. O que eu quero dizer é que o menino terá de abrir mão de algumas coisas para poder ter você, entendeu?

Foi como se uma luz brilhasse em sua crina.

— Acho que estou começando a entender, papai.

— Está mesmo? Ótimo. Explique-me o que você está entendendo.

— Bem, papai… Acho que tem a ver com deixar algumas coisas para conseguir outras maiores, não é?

— Exatamente, filho. Deixe-me dar um exemplo. Quando você e seu irmão estão pastando e de repente começam a reclamar que aquela faixa de grama preferida de vocês ainda não cresceu o suficiente para darem aquela abocanhada rechonchuda, o que é que eu sempre lhes digo?

— O senhor manda que a gente espere ela crescer mais um pouco.

— Muito bem. E nem por isso vocês morrem de fome, correto?

— Correto, papai. A gente acaba forrando o bucho com outra coisa.

— Pois bem. Agora, você já reparou que quase toda vez que encontramos o seu dono pretendido ele está com um sorvete, ou uma pipoca, ou um pirulito na mão?

— É verdade, papai.

— Então. Essas coisas custam dinheiro. Nós não temos dúvidas de que o menino também quer muito você, Pitoco. Mas a casa em que os pais dele moram não comporta um cavalo. Se nem cachorro, que é menor, eles têm condições de criar agora, imagine um de nós!

— Entendi, papai. Mas o que o senhor sugere, então?

— Sugiro que o menino comece a juntar dinheiro para comprá-lo, em vez de gastar com sorvetes e pipocas. Inclusive os humanos têm até um porquinho para isso.

— Eles vendem porquinhos para comprar cavalos, papai?

— Não, filho. O porquinho não é de verdade. É feito daquela coisa que você mastigou dia desses e quase engole junto com a grama: plástico. Os humanos usam porquinhos de plástico para juntar dinheiro. Até grama existe na versão plástico, se você quer saber. Mas só serve para jogar futebol. Cavalos não pastam nesses campos (há humanos grossos como cavalos jogando neles, mas isso é outra história…).

— Hum… Entendi. Mas pai, até que o menino consiga juntar dinheiro suficiente eu já estarei velho para um cavalo. E ele já será um adulto!

— É aí que reside a magia da coisa, Pitoquinho: você deixará esse prazer para o seu filho. — (“Quando você for pai, entenderá melhor dessas coisas”, pensou, o peito apertado, lembrando de sua própria história, a qual Pitoco ainda era jovem demais para entender.) — Quem sabe se o menino não será diligente o bastante e consiga comprar toda a família Pitoco da Silva?

— Puxa, papai! Seria o máximo! Mas tem um problema…

— Qual, filho?

— Como iremos falar isso para o menino, se ele não entende nossa linguagem?

— Não se preocupe, Pitoco. O pai dele já deve ter lhe falado isso.

— Como o senhor pode ter certeza?

— Ora! Se eu, que sou um cavalo, consigo oferecer esse tipo de conselho a você, meu filho, quanto mais o pai dele! Ouse crer!

— Não ousarei não ousar, papai!

— Esse é o meu garoto!

E saíram galopando felizes da vida com relinchos que mais pareciam “améns”.

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