A “Magia ainda mais profunda” triunfa

Em Nárnia, como em nosso mundo, a Magia ainda mais profunda vence a Magia profunda. Por meio do sacrifício, a Misericórdia triunfa sobre o Juízo.

Leonardo Bruno Galdino
3 min readFeb 13, 2019

por Joe Rigney

Após o exército de Aslam resgatar Edmundo da Feiticeira Branca, esta se aproxima do leão e identifica Edmundo como um traidor que legalmente lhe pertence e que deve ser condenado à morte por traição (Cap. 13). Ela baseia sua reivindicação na Magia Profunda, que está escrita na Mesa de Pedra e “gravada no cetro do Imperador de Além-Mar”, a Magia que o Imperador colocou em Nárnia logo no começo. A Magia Profunda é a Lei do Imperador, a expressão do seu caráter, e conservá-la é essencial para a existência e integridade de Nárnia. A própria sugestão de que Aslam enfrenta a Magia do Imperador é recebida com um cenho carregado e assustador [por parte de Aslam], e “ninguém mais tocou naquele assunto”.

Para Lewis, a Magia Profunda é a Lei Moral — aquilo que em A abolição do homem ele chama de Tao — , a estrutura moral fundamental sobre a qual o universo está baseado. Ela é um reflexo da ordem harmoniosa do próprio Deus, os muros em torno da Cidade que tornam a vida dentro dela possível. Como G. K. Chesterton nos lembrou, o motivo pelo qual existe ordem e estrutura no mundo é para que coisas boas possam correr livres.

Porém, neste caso (adaptando o que diz o apóstolo Paulo), a Magia profunda que prometia vida provou-se morte para Edmundo. Ou, ao menos, assim pareceu. Mas embora Aslam não enfrente a Magia do Imperador de Além-Mar, nem tudo está perdido para o jovenzinho condenado. Aslam apresenta um caminho melhor e mais difícil. Pois, conquanto a Magia Profunda exija sangue pela traição, ela também permite substitutos, e Aslam voluntariamente se entrega no lugar de Edmundo para que a Feiticeira abdique de seu direito pelo garoto e mate Aslam em seu lugar. Assim, a Magia Profunda é cumprida.

Mas nem mesmo essa Magia Profunda exaure a visão de Lewis sobre o mundo. Há, ainda, uma Magia ainda mais profunda, e ela surge com o amanhecer seguinte ao sacrifício de Aslam. A Mesa de Pedra se parte em dois, e o corpo de Aslam não está mais lá.

– Mas que coisa é essa? Ainda será magia?
– Magia, sim! — disse uma voz forte, pertinho delas. — Ainda é magia. […] A feiticeira pode conhecer a Magia Profunda, mas não sabe que há outra magia ainda mais profunda. O que ela sabe não vai além da aurora do tempo. Mas, se tivesse sido capaz de ver um pouco mais longe, de penetrar na escuridão e no silêncio que reinam antes da aurora do tempo, teria aprendido outro sortilégio. Saberia que, se uma vítima voluntária, inocente de traição, fosse executada no lugar de um traidor, a mesa estalaria e a própria morte começaria a andar para trás

(O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, cap. 15.)

Esta é a verdadeira imagem da magia em Nárnia, e ela é espelhada em nosso próprio mundo. Conflitos de poder e encantamentos são reais, e eles importam. Porém, por debaixo dos duelos de poder e guerras mágicas estão a Magia profunda e a Magia ainda mais profunda, a solidez inflexível da Lei Moral e beleza assombrosa do Amor Sacrificial. Lewis nos lembra de que a substituição é um tipo de magia, uma força misteriosa e sobrenatural que transforma o mundo, sobrepujando toda forma de traição. Em Nárnia, como em nosso mundo, a Magia ainda mais profunda vence a Magia profunda. Por meio do sacrifício, a Misericórdia triunfa sobre o Juízo.

RIGNEY, Joe. Living Like A Narnian: Christian Discipleship in Lewis’s Chronicles, p. 38–40.

Tradução de Leonardo Bruno Galdino.

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